Vitamin, mangá em volume único de
Keiko Suenobu (a mesma de Limit, cujas primeiras impressões vou postar em breve!), foi um dos lançamentos mais importantes da JBC ano passado e demorei
mais do que devia para colocar minhas mãos nele. É um título que, como todo o
trabalho da autora, trata de bullying no ambiente escolar.
Se você ler a premissa de Limit e
Vitamin, com certeza vai achar que Limit é a obra mais pesada
entre as duas. Em termos de premissa pode até soar dessa forma. Mas a
brutalidade de Vitamin, que para mim é uma obra muito mais densa e “soco no
estômago”, está justamente no fato desta ser uma história como qualquer outra, um slice of life. Não exige uma situação extrema. Exige dia a dia.
Exige estereótipos sociais que perpetuamos sem perceber. Exige slut-shaming.
Exige aquele fenômeno engraçado de insensibilidade dos grandes grupos (em que ninguém assume responsabilidade, sempre acreditando que outro irá fazê-lo). Podia ter sido na sua escola ou podia ter sido com
você. E qualquer um de nós poderia fingir que não tem nada a ver com a gente se
acontecesse no nosso grupo social. É saber que a insensibilidade podia ser sua (ou minha) o que desconcerta, e esse é o grande trunfo de Vitamin.
Vitamin conta a história de
Sawako, uma estudante do ensino médio que leva uma existência normal até o dia
em que um colega de classe a flagra transando com o namorado em uma sala de
aula (aqui a gente precisa abrir um parêntese para eu dizer que fiquei em
dúvida se era consentido ou não – a conclusão óbvia é que se há dúvida, é
porque não é). Depois disso e por esse simples fato, a vida de Sawako se torna
um inferno – de slut-shaming com desenhos e palavrões no quadro-negro, a
camisinhas espalhadas pela sua mesa e agressões no vestiário feminino. O namorado
– que, claro, termina com ela e ainda diz a todos que não era ele que havia
sido flagrado com Sawako – passa por algo similar? ÓBVIO que não, afinal Sawako
é a garota, ela é que não poderia ser “fácil” desse jeito. É como as vítimas de
estupro, que não deviam ter usado minissaia em primeiro lugar...Esses absurdos
parecem familiar com o que a gente escuta por ai?
Não vou contar toda a história,
mas Sawako passa por muitos abusos, físicos e mentais, e as cenas são bem
chocantes. Tão chocantes, na verdade, que logo após a leitura esse era um dos
pontos que eu pretendia colocar na resenha como algo que não me agradou tanto
por parecer irreal, um exagero da parte de autora. Ia dizer que se a autora
tivesse usado situações menos extremas a história de Sawako talvez ressoasse
ainda mais com as pessoas. Mas não vou falar nada disso, sabe por que? Antes de
começar a escrever a resenha, fui pesquisar um pouco sobre bullying no Japão
porque tem me chamado a atenção a quantidade de obras de TV (doramas) e mangás a
respeito – e ao que parece o bullying nas escolas japonesas costuma assumir uma
nuance muito mais violenta do que estamos acostumados a ver nas escolas
brasileiras. Eu fiquei chocada ao ler uma história que recebeu muita cobertura
na mídia japonesa, sobre um garoto de 13 anos que se suicidou após ser queimado
com bitucas de cigarro, obrigado a furtar em lojas e até a simular o próprio
suicídio pelos colegas de classe. Não estou dizendo que não há bullying no
Brasil e que ele não toma proporções severas ou violentas, ok? É claro que há e
claro que ocorre de várias formas diferentes. Mas me surpreendeu a quantidade de matérias e debates falando
sobre o problema no Japão (atualmente a maior causa de mortes no Japão no grupo de 10 a 19 anos é suicídio), o que me fez achar que as coisas realmente assumem
um contorno diferente por lá e o retrato de Keiko Suenobu em Vitamin não seja algo
tão extraordinário quanto eu imaginava.
Mas voltando a nossa protagonista. Ela resiste, luta, mas
eventualmente fica deprimida e não quer mais ir à escola, sair da cama...O
único conforto vem dos mangás que ela adora desenhar. Esse apoio da
protagonista nos desenhos e o relacionamento dela com os pais são arcos de
grande importância na história também. E sendo um único volume de três
capítulos apenas, me surpreendeu quantos temas a mangaká conseguiu
trabalhar e conectar, sem nunca parecer raso ou algum tipo de pregação.
Eu saí da escola há muito tempo e
me formei na universidade há alguns anos, mas não há como não se deixar afetar
por Vitamin.
A obra me fez chorar e fazia
MUITO tempo que eu não chorava lendo um mangá. Talvez a última vez tenha sido
em Fruits Basket, há quase dez anos. Enfim, faz tempo. Mas que sensação boa,
catártica – sou dessas, adoro chorar em ficção. Chorei com Sawako, quando ela
era humilhada, mas chorei principalmente ao ver o relacionamento dela com sua
mãe – que é realista, difícil, mas cheio de amor.
Não é um mangá perfeito, mas é muito bom. As falhas na
verdade não chegam a ser falhas, mas são principalmente restrições impostas
pelo número de capítulos da obra (três). Se fosse mais extensa, certamente
a autora conseguiria dar mais
profundidade aos algozes de Sawako, que para nós são rostos sem nome e sem
contexto. Por outro lado, essa talvez tinha sido a intenção da autora desde o
começo – o bullying é algo, afinal, que está relacionado também a esse
sentimento de indiferença ou histeria coletiva que a “massa” permite, na qual
ninguém se responsabiliza ou se sente parte do problema, que sempre é “o
outro” e "do outro".
Sawako, deixa eu te dar um abraço sua linda!
Leia Vitamin. Não é uma obra para todo mundo, mas é uma experiência
ficcional que deveria ser para todos - mesmo que você conclua que não gostou.
2 comentários:
Oi Leka!
Não conhecia esse mangá, mas agora quero ler.
Ele trata de um assunto muito sério e precisa ser divulgado.
Não acho que exista mais bullying no Japão do que aqui, o problema é que no Brasil as pessoas não divulgam tanto. Fica uma coisa mais velada, mas acontece bastante sim.
Beijos,
Sora - Meu Jardim de Livros
Eu não vou te processar pq eu tb amoooo desenhos, Leka! Rs.
Eu vi esse mangá numa banca outro dia e nem dei muito papo, rs. Mas adorei a proposta agora que li a sua resenha. Acho que, sem dúvida, a abordagem de um tema tão complexo como o bullying deve ter sido incrível! Uma pena que nosso país não fale tanto do assunto...
Quando eu ver esse mangá na banca de novo, eu vou dar atenção de comprá-lo! Rs...
Vim aqui pra saber se vc tem interesse em participar do CursedBlogs, aquele projeto que está rolando lá no blog (um dos).
Você comentou lá no post que tem interesse em falar mais sobre o terror aqui no seu blog, por isso resolvi vir convidá-la! Se animar a participar, dê um pulinho lá no blog e me avise! E espero que aceite o convite, rs.
Beijos!
Fabi Carvalhais
pausaparapitacos.blogspot.com.br
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